Cheiro do Yoga Pós-moderno

29 29America/Sao_Paulo junho 29America/Sao_Paulo 2022 0 comments Jayadvaita Categories Blog 2022Tags , , ,

Ensaio 1
Por Jayadvaita Das

Marshall McLuhan não era um inveterado praticante de yoga e nem mesmo se dedicou aos estudos desta ciência. Seu campo foi das aldeias midiáticas.

Em plenos anos sessenta, suas teorias foram lançadas aos ares sem que pudéssemos definir o que seu alcance visionário geraria. Na verdade, ele não criou nada, apenas observou os delírios que teríamos, no vindouro século vinte e um, frente às mídias tecnológicas.

Mas, o que teria a ver um teórico da comunicação com a prática do yoga? Hoje, tudo.

Basicamente a ideia central da comunicação pensada por McLuhan foi de uma aldeia global onde todos estariam se comunicando, independente das condições geográficas e culturais. Num primeiro momento, podemos até considerar aspectos positivos desta visionária contribuição à moderna carência humana. Se em séculos passados tínhamos a liberdade natural de vivermos cada momento em plenitude – seja em contato com os animais, com os pés descalços à beira de um rio limpo e calmo, seja em horas de ócio, que podiam tomar o dia todo sem qualquer consequência desastrosa às postagens na timeline de nossos seguidores, que viriam a ficar frustrados com a ausência silenciosa de seus influentes oradores maquiados pelo estrelismo pueril e malévolo – hoje, fica evidente que nos escravizamos em algemas móveis conectadas aos pulsos.

A aceitação subjaz à súplica íntima, quase declamatória, com que a maioria de nós desejamos nos expor nas telas e aos olhos de outros que, sem qualquer mácula explícita, tem o magnetismo mágico da cobiça que cativa, pelas coleias invisíveis, o campo da imaginação. O que McLuhan nos escondeu se revela como jaulas, camisas de força, palco de circo ou sanatório doméstico hiper decorado, e não uma legítima aldeia virtual.

Em meio aos inúmeros dados, surgem os oportunistas de mercado digital, que veementemente, torna todos nós dignos professores, autoridades, cientistas ou artistas capazes de ensinar a transformar o mundo num passe de trágica ilusão.

A aldeia de McLuhan se tornou uma feira-livre, onde alguns vendem até a própria mãe, na sonífera expectativa de ganhar a tão famigerada fama, nos quinze minutos de Andy Warhol. 

O que poucos notaram nestes últimos anos, foi a falsa demanda criada na ideia tribalista virtual de McLuhan. Ou seja, hoje todos são gênios em potencial e ignorantes em tempo integral. Neste caldeirão canibalístico, descobrimos estarmos cada vez mais distantes das nascentes que brotam água limpa. Em outras palavras, o conhecimento foi diluído em doses tão diminutas, que a contaminação midiática torna conhecimento, veneno.

Nesta metafórica nascente do rio, podemos entender como a raiz pura do conhecimento inato, porém perdida pelo homem. A pós-modernidade foi a vitoriosa na tentativa de anular o acesso à experiência deste conhecimento, desviando-nos para o divertimento. Como se tivéssemos entregue nossas liberdades naturais, por uma suposta satisfação frutífera (talvez de uma maça envenenada) que jamais alcançaremos. Acessar este conhecimento requer conhecer-se profunda e plenamente – sem cair nas malhas de crenças sugestivas.

Autoconhecimento, na pós-modernidade, se tornou sinômino de assunção da grande tolice que impera sob o autêntico termo popular de auto-ajuda. Eis a aldeia que se transformou em circo.

O rio e sua nascente são expressões de linguagem que uso aqui para simbolizar a raiz. Do latim, raiz, ou origem, tem o mesmo radical etimológico. Quer dizer, radical não significa o que se concebe na língua inculta: radicalizar, adotar postura inflexível, fanatismo, revolução ou exotismo exibicionista e excêntrico. Não. Radical indica raiz, origem, estado inato e puro de algo. Aqui, conhecimento radical é um conhecimento não manchado, não alterado, tradicional, clássico, e muitas vezes não aceito nas aldeias virtuais de McLuhan.

A homogeneidade das redes sociais forçou com doçura a transformação de todos em seres cômicos vestidos de palha. Em outros termos, fazer comédia vestindo-se de palha é assumir o papel de palhaço. É isto que podemos assistir diariamente na redes sociais, se não tivermos um bom livro, um laser, um esporte ou satisfatória prática meditativa para bem ocupar o tempo.

O humor exalta palmas da platéia, que flui sem muito refletir. A sátira levanta questionamentos mais rentes ao nosso ego, sendo adequada à qualificada transmissão comunicativa, isto é, ensino e aprendizagem. Há uma sutileza entre o palhaço cômico, herdado dos bobos-da-corte, e o poeta que domina sua arte verbal e torna capaz as palavras se revelarem no fundo da alma, com um incômodo riso de satisfação, não de banalidade da própria existência humana, mas de revelação.

Não seria a sátira, em vez do humor, que nos conduziria à raiz do autoconhecimento? Sem dúvida que o palhaço ganha seu pão em forma de seguidores, através do entretenimento, ao passo que o sábio o faz ao transmitir conhecimento. Um senso justo que pudesse averiguar em algoritmos a predominância de ambos, nos daria uma sardônica constatação de que a atual aldeia de McLuhan é mesmo um grande circo global, onde palhaços nos fazem rir continuamente, sem que percebamos darmos amistosamente nossos cartões de crédito e atenção fidelizada.

O riso discreto que possa esta reflexão nos trazer, deve ser um ato experienciado. Vá até sua rede social preferida e veja o primeiro anúncio que aparecer. E volte aqui… era um palhaço? Era um mecânico das emoções humanas vendendo auto-ajuda? Ou era um anunciador da escatologia científica?

Creio que, sendo leitor ou leitora deste ensaio, o anúncio poderá ter conotação estilo yoga doriana.

E neste campo do yoga, temos ainda suas ramificações escolares de banalidades que potencialmente são capazes de chamar a atenção e nos entreter: (1) os super-bem humorados que se lambuzam de expressões sem graça e incensos de naftalina com esotéricos de paz e amor; (2) os sectários evangelizadores de um puritanismo ecumênico, portadores de todas as bandeiras de defesas minoritárias, que vociferam verdades somente aceitas por aqueles que cultivam informações sentados em vasos sanitários; e por fim, (3) aqueles que dominam a arte circense do contorcionismo, a comédia grega do hedonismo, a beleza latina da corporalitas e daqueles que apreciam a vida mítica de Narciso.

Esta é a aldeia que nos cerca. Uma aldeia onde se comunica mais informações e menos conhecimento. E na aldeia tribalista de guruísmos, impera ainda a triste certeza de que conhecimento, verdade, estado absoluto de consciência ou até mesmo a concepção teísta da realidade, soa absurdo. Mais yoga, menos inteligência artificial.

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Vídeo deste ensaio no YouTube.

Podcast deste episódio.

Ensaio é uma expressão livre de argumentos que revelem um olhar embasado, crítico e compassivo através da arte da escrita. Se algo tocou em sua semelhança, afirmo não ter sido pessoal, apenas coincidência.

Para não se sentir numa aldeia de ignorância, entre para a Escola de Yogis.